terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Uma noite me balancei no céu.
O balanço era de flores ou de estrelas,
e suas pontas perdiam-se no Norte e no Sul,
e atiravam-me de Leste a Oeste.


Desci do sonho melancólica.
Às vezes suspiro por esse alto sonho.
Contá-lo não é nada: mas vivê-lo:
mas estar longe, numa solidão deleitosa,
mas crer, afinal, que há um tempo de viver...


Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Sonhos (1950-1963)

'Como alguém que acordou muito tarde'

Como alguém que acordou muito tarde,
e sente falta do dia passado,
do dia desconhecido
que esteve sobre os seus olhos fechados
repleto de movimento e dança,
todos os dias choramos,
secretamente, sem lagrimas nem consciência,
alguma coisa que se passou fora de nós.


E suspiramos com um suspiro vazio,
e entristecemos, de repente.


1957

Mensagem a um desconhecido

Teu bom pensamento longínquo me emociona.
Tu, que apenas me leste,
acreditaste em mim, e me entendeste profundamente.


Isso me consola dos que me viram,
a quem mostrei toda a minha alma,
e continuaram ignorantes de tudo que sou,
como se nunca me tivessem encontrado.


Fevereiro, 1956
"Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas,
e foram sempre positivas para mim:
Silêncio e Solidão.
Essa foi sempre a área da minha vida.
Área mágica,onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos,
onde relógios revelaram o segredo de seu mecanismo e as bonecas,
o jogo do seu olhar (...)."
Se agora me esquecer, nada que a vista alcança
parecerá mudado. E a sombra, exata e móvel,
seguirá com sossego o caminho dos vivos.

A noite selará com minúcia meus olhos
e àcinza de meu rosto o mais agudo sonho
vestígio não trará dos derrotados mitos.

No meu dia seguinte encontrareis aquela
consequência de ser clarividente e pronta
- livre continuação de destinos antigos.

(Ah, mas se eu te esquecer ficará pelo mundo,
morto e desenterrado, um vago prisioneiro,
entregue à dúbia lei de seus cinco sentidos!

Amarga morte: suposta vida...)

Embalo

Adormeço em ti minha vida,
- flor de sombra e de solidão -
da terra aos céus oferecida
para alguma constelação.

Não pergunto mais o motivo,
não pergunto mais a razão
de viver no mundo em que vivo,
pelas coisas que morrerão.

Adormeço em ti minha vida,
imóvel, na noite, e sem voz.
A lua, em meu peito perdida,
vê que tudo em mim somos nós.

Nós! - E no entanto eu sei que estão
brotando pela noite lisa
as lágrimas de uma canção
pelo que não se realiza...