quinta-feira, 30 de julho de 2009

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Tereza

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Viagem a Portugal

“A viagem não acaba nunca.
Só os viajantes acabam.
E mesmo estes podem prolongar se em memória,
em lembrança, em narrativa.
Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais que ver”, sabia que não era assim.
O fim duma viagem é apenas o começo doutra.
É preciso ver o que não foi visto,
ver outra vez o que se viu já,
ver na Primavera o que se vira no Verão,
ver de dia o que se viu de noite,
com Sol onde primeiramente a chuva caía,
ver a seara verde, o fruto maduro,
a pedra que mudou de lugar,
a sombra que aqui não estava.
É preciso voltar aos passos que foram dados,
para os repetir. E para traçar caminhos novos ao lado deles.
É preciso recomeçar a viagem.
Sempre.
O viajante volta já.”

De que mais um homem precisa?

" De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar, e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar ?
E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é para ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no infinito…

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra — um pedaço bem verde de terra — e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim – que um jardim é importante – carregado de flor de cheirar ?
E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem mistério não valor morar…

De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar — basta olhar — um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de paz e de bar ?
E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo ?

De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular ?
E enquanto pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em sua onda sem rumo ?

Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher — as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo …”

...

Sou um homem comum
de carne e de memoria
de osso e esquecimento.
Sou como você
feito de coisas lembradas
e esquecidas
rostos e
mãos,

Sou um homem comum
brasileiro, maior, casado, reservista,
e não vejo na vida, amigo,
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor.

Mas somos muitos
milhões de homens comuns
e podemos formar uma muralha
com nossos corpos
de sonhos e margaridas.

...

Mandei a palavra rimar.
ela nao me obedeceu!
Falou em mar, em ceu, em rosa
em grego, em silencio, em prosa.
Parecia fora de si,
silaba silenciosa...

Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
fazer poesia, eu sinto, apenas isso.
dar ordens a um exercito,
para conquistar um imperio extinto.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia.
A vida assim, jamais cansa.
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas..
Deixa-me seguir para o mar
Tenta esquecer-me
Ser lembrado é como evocar-se um fantasma
Deixa-me ser o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo
Em vão, em minhas margens cantarão as horas,
Me recamarei de estrelas como um manto real,
Me bordarei de nuvens e de asas,
Às vezes virão em mim as crianças banhar-se
Um espelho não guarda as coisas refletidas!
E o meu destino é seguir
É seguir para o Mar.
Deixa-me fluir, passar, cantar
Toda a tristeza dos rios é não poderem parar!

Canção do Amor Imprevisto

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E minha poesia é um vicio triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com tua boca fresca de madrugada,
Com teu passo leve,
Com esses teus cabelos.
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
Nada, numa alegria atônita.
A súbita alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos!
Quando abro a cada manhã
A janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova...

Das Descrições

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...
Aceitarás o amor como eu o encaro ?
Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.
Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.
Não exijas mais nada.
Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.
Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições.
O encanto
Que nasce das adorações serenas.

Mude

" Mude,
mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.

Sente-se em outra cadeira,
no outro lugar da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair,
Procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente..."

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um rico resolve presentear um pobre por seu aniversário e ironicamente
manda preparar uma bandeja cheia de lixo e sujeiras.
Na presença de todos, manda entregar o presente, que é recebido com
alegria pelo aniversariante, e que gentilmente agradece e pede que lhe aguarde um
instante, pois gostaria de poder retribuir a gentileza.
Ele então joga fora o lixo, lava e desinfeta a bandeja, enche-a de
flores, e devolve-a com um cartão, onde está a frase:
"A gente dá o que tem de melhor ."
Ou seja:
Não perca sua serenidade.
A raiva faz mal à saúde, a mágoa envenena o coração.
Domine suas reações emotivas. Seja dono de si mesmo.
Esqueça e passe adiante, para não perder sua serenidade.
Não perca sua calma. Pense, antes de falar, e não ceda à sua
impulsividade.
"Guardar ressentimentos é como tomar veneno e esperar que outra pessoa
morra"

O haver

Resta acima de tudo essa capacidade de ternura,
Essa intimidade perfeita com o silêncio.
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo,
Perdoai! Eles não têm culpa de ter nascido.
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo,
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo de ferir tocando,
Essa forte mão de homem, cheia de mansidão para com tudo o que existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos,
Essa inércia cada vez maior diante do infinito,
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível,
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento da matéria em repouso,
Essa angústia da simultaneidade do tempo,
Essa lenta decomposição poética em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinícius.
Resta esse coração queimando como um círio numa catedral em ruínas,
Essa tristeza diante do cotidiano ou essa súbita alegria ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória,
Resta essa vontade de chorar diante da beleza,
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal entendido.
Essa imensa piedade de si mesmo,
Essa imensa piedade de sua inútil poesia e sua força inútil.
Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado de pequenos absurdos,
Essa tola capacidade de rir à toa,
Esse ridículo desejo de ser útil e essa coragem de comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade,
Essa vagueza de quem sabe que tudo já foi, como será, como virá a ser e ao mesmo tempo esse desejo de servir,
Essa contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar, de transfigurar a realidade dentro dessa capacidade de aceitá-la tal como é.
Essa visão ampla dos acontecimentos e essa impressionante e desnecessária paciência.
E essa memória anterior de mundos inexistentes.
E esse egoísmo estático.
E essa pequenina luz indecifrável a que às vezes os poetas tomam de esperança.
Resta essa obstinação em não fugir do labirinto na busca desesperada de alguma porta de quem sabe inexistente.
E essa coragem indizível diante do grande medo e ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos, de refletir-se olhares sem curiosidade e sem história.
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade de não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento,
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável.
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços e esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio pelo momento a vir.
Quando emocionada ela virá me abrir a porta como uma velha amante, sem saber que é a minha mais nova namorada.

Queria Um Abraço Hoje

De repente deu vontade de um abraço.
Uma vontade de entrelaço, de proximdade..
de amizade, sei lá...
Talvez um aconchego que enfatize a vida e
amenize as dores...
Que fale sobre os amores, que seja teimoso e ao mesmo tempo forte.
Deu vontade de poder rever saudade de um abraço.
Um abraço que eternize o tempo e preencha todo espaço mas que faça lembrar do carinho, que surge devagarzinho
da magia da união dos corpos, das auras, sei lá...
Lembrar do calor das mãos acariciando as costas a dizer... "estou aqui"
Lembrar do trançar dos braços envolventes
e seguros afirmando "estou com você"... Lembrar da transfusão de forças
com a suavidade do momento, sei lá...
abraço...abraço...abraço...
abraço...abraço...abraço...
abraço...abraço...abraço...
O que importa é a magia deste abraço!
A fusão de energia que harmoniza,
integra tudo, e que se traduz
no cosmo, no tempo e no espaço.
Só sei que agora deu vontade desse abraço!!
Que afaste toda e qualquer angústia.
Que desperte a lágrima da alegria, e acalme o coração...
Que traduza a amizade, o amor e a emoção.
E para um abraço assim só pude pensar em você... nessa sua energia, nessa sua sensibilidade que sabe entender o por quê... dessa vontade desse abraço.....

Ignorado ficasse o meu destino

Ignorado ficasse o meu destino
Entre pálios (e a ponte sempre à vista),
E anel concluso a chispas de ametista
A frase falha do meu póstumo hino...

Florescesse em meu glabro desatino
O himeneu das escadas da conquista
Cuja preguiça, arrecadada, dista
Almas do meu impulso cristalino...

Meus ócios ricos assim fossem, vilas
Pelo campo romano, e a toga traça
No meu soslaio anônimas (desgraça

A vida) curvas sob mãos intranqüilas...
E tudo sem Cleópatra teria
Findado perto de onde raia o dia...

Ah, um soneto

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaço.

Mas — esta é boa! — era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?...

Poema do amigo aprendiz

Poema do amigo aprendiz
Quero ser o teu amigo. Nem demais e nem de menos.
Nem tão longe e nem tão perto.
Na medida mais precisa que eu puder.
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida,
Da maneira mais discreta que eu souber.
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar.
Sem forçar tua vontade.
Sem falar, quando for hora de calar.
E sem calar, quando for hora de falar.
Nem ausente, nem presente por demais.
Simplesmente, calmamente, ser-te paz.
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher este teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias...
"Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
Prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."
Há quem diga que todas as noites
são de sonhos.
Mas há também quem diga
nem todas,
Só as de verão...
Mas no fundo
isso não tem muita importância.

O que interessa mesmo
não são as noites em si,
São os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre.
Em todos os lugares,
Em todas as épocas do ano,
dormindo ou acordado.

sábado, 11 de abril de 2009

Penso

Penso às vezes nos sonhos, nos amores,
Que inflamei à distância pelo espaço;
Penso nas ilusões do meu regaço
Levadas pelo vento a alheias dores...

Penso na multidão dos sofredores,
Que uma benção tiveram do meu braço;
Talvez algum repouso ao seu cansaço,
Talvez ao seu deserto algumas flores...

Penso nas amizades sem raízes,
Nos afetos anônimos, dispersos,
Que tenho sob os céus de outros países...

Penso neste milagre de meus versos:
Um pouco de modéstia aos mais felizes,
Um pouco de bondade aos mais perversos...

Do Amoroso Esquecimento

Eu, agora - que desfecho!

Já nem penso mais em ti...

Mas será que nunca deixo

De lembrar que te esqueci?

Amigos

Tenho amigos que não sabem o
quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes
devoto e a absoluta
necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais
nobre do que o amor,
eis que permite que o objeto dela
se divida em outros afetos,
enquanto o amor tem intrínseco o ciúme,
que não admite a rivalidade.
E eu poderia suportar,
embora não sem dor,
que tivessem morrido todos os
meus amores, mas enlouqueceria
se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem
o quanto são meus amigos e o quanto
minha vida depende de suas existências ….
A alguns deles não procuro, basta-me
saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir
em frente pela vida.

A gente não faz amigos, reconhece-os.

O meu impossível

Minh’alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!


Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito. É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!…

Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!… Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto…

Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!

terça-feira, 7 de abril de 2009

Espera

Espero assim,
meio sem esperança...
esperar cansa!

Silêncio Amoroso

Deixa que eu te ame em silêncio.
Não pergunte, não se explique, deixe
Que nossas línguas se toquem, e as bocas e a pele
Falem seus líquidos desejos.
Deixa que eu te ame sem palavras
A não ser aquelas que na lembrança ficarão
Pulsando para sempre
Como se amor e vida fossem um discurso
De impronunciáveis emoções...

Limites do Amor

Condenado estou a te amar
Nos meus limite
Até que exausta e mais querendo
Um amor total, livre de cercas, Te despeças de mim, sofrida,
Na direção de outro amor
Que pensas ser total e total será
Nos seus limites de vida.
O amor não se mede
Pela liberdade de se expor nas praças
E bares, sem empecilho.
É claro que isto é bom e, às vezes, sublime.
Mas se ama também de outra forma, incerta,
E este o mistério:
- ilimitado o amor às vezes se limita,
Proibido é que o amor às vezes se liberta
Não, não é cansaço...
Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar.
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Operário em Construção

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo,
Que a casa de um homem e' um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa quer ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Alem uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria Mao
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Soneto da Saudade

Quando sentires a saudade retroar
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
Eternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!
Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas…
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas…
Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.
lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos…
Nem a distância apaga a chama da paixão.
Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.
Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem cousas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor.

Amigo

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver,
não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo.
Precisa-se de um amigo para se parar de chorar.
Para não se viver debruçado no
passado em busca de memórias perdidas.
Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando,
mas que nos chame de amigo, para ter-se a
consciência de que ainda se vive.

Antes que seja tarde demais

Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.